Já que Morfeu esqueceu-se de passar por aqui
hoje, volto ao blog. Vantagens de um aposentado: independente da hora, faço
aquilo que minha vontade pede. Se depois terei que acordar um tanto mais tarde
do que o habitual, deixo para saber amanhã. Sei que não haverá nenhum patrão
aguardando a minha chegada.
Tenho visto muitas entrevistas aqui pelo
Youtube. A principal de hoje foi um episódio do Roda-Viva entrevistando o Luis
Felipe Pondé! Ele levou com a turma de entrevistadores, um papo-cabeça, claro! Discorreu
um pouco sobre tudo. A parte que me fez voltar aqui ao blog, foi quando ele
discorreu sobre a mentira! Teria adorado se ele tivesse dito, curto e grosso: "
- Eu nunca menti. Esta frase agora, é a primeira vez !!" Seguiria
o padrão cínico e sarcástico do Paulo. Mas, evidente, ele respondeu no padrão
Pondé! Acreditei, e gostei, da resposta do carinha! Curto também mais este
louquinho, como outros que ando citando por aqui.
(* para os mais curiosos e preguiçosos, ele
disse que sim, que mente como todo mundo mas, nunca profissionalmente. Nunca
quando está frente a uma platéia, uma sala de aula, entrevista, escrevendo um artigo
ou afins. Na defesa das suas idéias maiores, ele não mente. Mente só, diria eu,
mundanamente. Até porque, completaria com mais um chiste, o mundano mente. Ele
não é um profissional mundano)
Aí, lembrei-me também que neste fim de semana
tive uma prosa, não tão longa mas também nem tão vapt-vupt, sobre sinceridade,
transparência, verdades e mentiras. Temas sabidamente etéreos, que dão muito
pano p/ muita manga. Como definir claramente cada um destes, digamos, quesitos?
É, claro, ao sabor de cada um. Mas, no fundo, acabo concluindo que, mesmo
quando o diálogo é mais profundo, onde ambos buscam um saudável acréscimo em
suas, até então, convicções, somos e seguimos sendo estratégicos, buscando
sempre puxar a brasa p/ a nossa sardinha! É mesmo complicado, senão impossível,
fugir de um certo percentual de egoísmo e egocentrismo quando queremos defender
nossos valores! É natural e humano que assim seja. Mas não deixa de ser uma
estratégia. Um plano elaborado para "vencer" a diferente idéia e/ou
concepção, ou até mesmo convicção, do outro sobre aquele assunto.
Depois, abandonado por Morfeu que fui,
lembrei-me de um velho e surrado ditado popular: "Na guerra e no amor, vale
tudo!"
Preparei meu chazinho do Santo Daime, e fui
destrinchar um pouco mais este manjado ditado. De cara, algo me saltou aos
olhos: se a frase faz sentido, posso depreender que então o amor - ou a busca
do - é uma guerra! Em sendo uma guerra...tudo é válido!
Quase que simultaneamente lembrei-me de um texto
que deixarei também postado aqui ao final, apesar de já tê-lo postado em outro
tempo, para que aqueles que ainda não o tenham lido, que o façam, e meditem com
as sábias palavras do seu autor sobre esta tal busca do (ou pelo) amor. A feliz comparação que ele faz com as
posturas que dois seres podem fazer quando ambos querem achar um ponto de equilíbrio
em suas histórias de suas buscas maiores. Como ele, autor e psicanalista vê, em
seu universo profissional, as duas vertentes que mais se destacam neste
universal anseio de todos nós. Os que se postam como tenistas ou os que se
postam como jogadores de frescobol. O paralelismo por ele usado foi, a meu ver,
muito feliz, indo ao cerne da questão! Competidores e não-competidores!
Neste momento, prá minha tristeza, fico querendo
saber se no diálogo acontecido no domingo, estávamos ali como competidores ou não.
Estávamos ali defendendo cada um seus valores e suas idéias maiores? Estávamos
ali, ambos, transparentes ao extremo? Mergulhamos na profundidade da nossa
(capacitada) sinceridade? Conseguimos ter esta capacidade em ser sincero como
algo pleno, já que a dita busca é algo tão
especial e único? Será que, na verdade, acabamos usando e abusando de estratégias,
como em uma batalha, p/ finalmente conquistarmos o território desejado? Mas, na
guerra, o território desejado é o território...do outro. Do seu oponente. É o
território daquele que é o seu inimigo.
Este "vale tudo" do ditado me incomoda
além da conta. Não consigo vê-lo com bons olhos. Aceito, até para não tornar-me
definitivamente um ET, que sim, somos todos estratégicos. Sei que
"precisamos" de um tanto de estratégia para enfrentar a vida. Mas o
duro, e é onde eu empaco, é saber até onde o usar da caixinha das estratégias faz bem no propósito
de se buscar ou encontrar o amor! Acabo ficando sentindo um estranho cheiro no
ar!
Assim como brinquei acima ao dizer que o mundano
mente, buscar o (dito desejado) amor não deveria, nem de perto, passar por algo
que pudesse ser catalogado de algo mundano. Acho que a saída é uma só: dois
seres que almejam construir algo juntos e duradouro, devem, conjuntamente,
serem capacitados de criar um clima que a ambos envolva, onde o máximo de transparência,
sinceridade idéias sonhos e ideais maiores possam vir, naturalmente, à tona!
Caso, pelas razões kjjhhgggjh *fd*&¨kxbdhb
*¨&%$#@@ %$$#$# estes dois seres não consigam criar este clima,
aquilo que já é uma agulha no palheiro, torna-se uma agulha da COR PALHA, no
palheiro.
Com a palavra, Rubem Alves!!
XERAZADE
Depois de muito meditar
sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os do tipo
tênis e os do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de
raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os do tipo frescobol são uma
fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.
Explico-me. Para
começar, uma afirmação de Nietszche, com a qual concordo inteiramente. Dizia
ele: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a
seguinte pergunta: Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta
pessoa até a velhice? Tudo o mais no casamento é transitório mas as relações
que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar”.
Xerazade sabia disso.
Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados
pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam
rapidamente. Terminam na morte, como no filme “Império dos sentidos”. Por isso,
quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através
dele, Xerazade o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa
conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. Há carinhos que
se fazem com o corpo e há os que se fazem com as palavras. E contrariamente ao
que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar
repetindo o tempo todo: “Eu te amo, eu te amo...Barthes advertia: Passada a primeira confissão “eu te amo” não quer dizer
mais nada”. É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua
nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado:
Erótica é a alma”!
O
tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota
se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis
para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto
fraco do seu adversário e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua
cortada – palavra muito sugestiva que indica o seu objetivo sádico, que é de
cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto,
justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário
foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza do
outro.
O
frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma
bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a
bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e quem recebe faz o
maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o
outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser
derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando
o outro erra – pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol,
é como a ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter
acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o
que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem
importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca
pontos...
A
bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras.
Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...
Mas
há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do
momento certo para a cortada.
Camus
anotava no seu diário pequenos fragmentos para os livros que pretendia
escrever. Um deles, que se encontra nos Primeiros
cadernos, é sobre esse jogo de tênis:
“Cena:
o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem um valor e gosta de brilhar. A
segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói todos os
propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua superioridade.
O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que nasce o ódio.
Exemplo: com um sorriso: “não se faça mais de estúpido do que é, meu amigo.”
Tênis
é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como uma
bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento.
Aqui, quem ganha sempre perde.
Já
no frescobol é diferente: o sonho do
outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é
coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços
para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o
amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro
viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...
(Rubem
Alves – Psicanalista e escritor)
Um comentário:
Adorei
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