(troquei-o por 1001
Noites de Amor)
Então, tenho que chegar
até os 63 aninhos e mais um pouco? Preciso parar de fumar!
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XERAZADE
Depois de muito meditar
sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os do tipo
tênis e os do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de
raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os do tipo frescobol são uma
fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.
Explico-me. Para
começar, uma afirmação de Nietszche, com a qual concordo inteiramente. Dizia
ele: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a
seguinte pergunta: Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta
pessoa até a velhice? Tudo o mais no casamento é transitório mas as relações
que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar”.
Xerazade sabia disso.
Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados
pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam
rapidamente. Terminam na morte, como no filme “Império dos sentidos”. Por isso,
quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através
dele, Xerazade o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa
conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. Há carinhos que
se fazem com o corpo e há os que se fazem com as palavras. E contrariamente ao
que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar
repetindo o tempo todo: “Eu te amo, eu te amo...Barthes advertia:”Passada a primeira confissão “”eu te amo”” não quer dizer mais nada”. É na conversa que o
nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez
poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: Erótica é a alma”!
O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua
derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se
tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do
ponto fraco do seu adversário e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua
cortada – palavra muito sugestiva que indica o seu objetivo sádico, que é de
cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto,
justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário
foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza do
outro.
O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma
bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a
bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e quem recebe faz o
maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o
outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser
derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando
o outro erra – pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol,
é como a ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter
acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o
que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem
importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca
pontos...
A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras.
Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...
Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do
momento certo para a cortada.
Camus anotava no seu diário pequenos fragmentos para os livros que pretendia
escrever. Um deles, que se encontra nos Primeiros
cadernos, é sobre esse jogo
de tênis:
“Cena: o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem um valor e gosta de
brilhar. A segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói
todos os propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua
superioridade. O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que nasce
o ódio. Exemplo: com um sorriso: “não se faça mais de estúpido do que é, meu
amigo.”
Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como
uma bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o
distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser
preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom
ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do
outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o amor... Ninguém ganha para que
os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para
que o jogo nunca tenha fim...
(Rubem Alves –
Psicanalista e escritor)
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