24 de jun. de 2014

Enfrentar o desconhecido



Corria o ano de 2002 e eu estava em minha última experiência em terapia. Quem sabe um dia eu retome novamente este caminho, que adoro. Quem sabe.

Lembro-me mto bem uma sessão onde citei o filme "Show de Truman" e combinei com minha terapeuta que iríamos revê-lo no decorrer da semana e comentá-lo com mais detalhes na próxima sessão. Esta combinação foi feita por um detalhe essencial no nosso tempo ali de Paulo encontrar-se um pouco mais com Paulo: disse à terapeuta, e jurava por todos os santos do mundo, que me recordava mto bem que o filme acabava qdo o veleiro do Truman/Jim Carrey batia no céu/infinito (depois de passar por maremotos terríveis e quase sucumbir) e ele enfim descobria que tudo aquilo era um cenário; tudo aquilo era parte de um show televisivo, tipo reality show e que a sua vida, desde o seu nascimento, era gerida pelos profissionais do canal de TV que passava aquele "programa"; em especial seu chefe supremo, não por acaso de nome Christoff.

Eu tinha certeza que o final do filme era aquele. Jurava por tudo que fosse mais sagrado que assim acabava o filme: ele descobrindo que toda a sua vida foi, senão uma farsa, uma vida dirigida e direcionada pelos outros e nunca por ele mesmo.

Como decidimos revê-lo, imaginem o tamanho da minha surpresa: por razões que desconhecia (excesso de pessimismo?), não me lembrava, nada nada nada do magnífico final que o autor do filme deu à sua história ali contada. Depois de ter descoberto a "farsa", encontrou, ao subir os degraus da escada do cenário, a porta que, se aberta, o colocaria lá fora, no mundo real, tirando-o finalmente de uma vida dirigida e direcionada por terceiros. Seguiu-se um pesado diálogo entre ele e seu "Diretor" (?) Christoff, se ele deveria abrir e ultrapassar aquela porta ou não.

Christoff fez de tudo para convencê-lo a não abrir e ultrapassar a porta. Tentava convencê-lo que ali dentro, no cenário do reality show, ele tinha segurança, proteção e os cuidados de toda a equipe do programa e que lá fora, ele não saberia o que iria encontrar, pois seria tudo novo para ele, onde ele teria que se virar sozinho: não poderia contar com mais ninguém do staff do programa para salvá-lo das dificuldades que, com certeza, ele iria encontrar "lá fora"! Truman não se deu por convencido: escolheu abrir e ultrapassar a porta, deixando o certo, indo atrás do desconhecido e incerto. "Mergulhou no escuro", agradeceu toda a proteção que até então teve de todos os integrantes do programa de TV e optou por ir atrás da sua vida própria, com todas as incertezas que um passo desse leva junto. Optou por saber, afinal, o que há do lado de lá do muro/cenário. Optou em enfrentar por conta própria o tanto de desconhecido (bom ou ruim) que a partir daquele momento passaria a encontrar cruzando o caminho da SUA vida.

Agradeceu a todos e despediu-se tb de todos, daquele mundo que era todo artificial e nunca comandado por ele mesmo, com sua frase-chavão durante todo o filme:

"-Caso não o encontre mais...bom dia, boa tarde e boa noite..."!

...e foi encontrar a vida real, a vida onde seus passos serão os seus passos, suas opções tb, suas vitórias, idem. Assim como suas derrotas e choros tb! Foi atrás tentando, pela primeira vez, tocar, do melhor jeito que pudesse conseguir, ser dono pleno da sua própria vida!

O filme acabou, assim como acabou, naquela minha sessão terapêutica, minha absoluta cegueira e pessimismo que carregava até ali: que minha vida não é tocada por mim. Que sou dirigido e direcionado por alguém que não seja eu mesmo mas, assim como a terapia serve para vc sair de onde está e ir para outro lugar (nunca sabido se melhor, pior ou quase a mesma coisa), ultrapassar aquela porta traz o mesmo risco: há segurança ZERO se do lado de lá me darei bem, mal ou quase nada mudarei...mas há segurança ABSOLUTA de que sairei de onde estava e me sentia tão mal e incomodado.

Sairei vitorioso? Mais uma vez este meu novo filme só começou! Não há como saber! Só o tempo dirá. Só a vida vivida mostrará. Só posso esforçar-me para fazer tudo aquilo que depender de mim e que eu sinta que é o certo e melhor para que o sucesso venha.

Tentarei!


DÊ PLAY







28 de mai. de 2014

Loucos e Santos



                                                (Antonio Abujamra)


Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. 
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. 
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. 
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. 
Deles não quero resposta, quero meu avesso. 
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim. 
Para isso, só sendo louco. 
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças. 
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. 
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. 
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. 
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos. 
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. 
Não quero amigos adultos nem chatos. 
Quero-os metade infância e outra metade velhice! 
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. 
Tenho amigos para saber quem eu sou. 
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde.
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Saravá, Abujamra! Saravá Oscar Wilde! Saravá para esta quarta-feira que já vai se despedindo...

Caminhos de pedra...





Na última conversa séria, ou pretensamente séria que tive (coisa de uma semana atrás), brinquei que estava entrando de sócio dos "Vigilantes do Piso". Como acho que 85 quilinhos para os meus 1.84 de altura não pedem, ainda, para que entre para os Vigilantes do Pêso, resolvi  entrar para os "Vigilantes do PISO".

Quem já andou pelas ruas de Paraty, principalmente se falamos de alguma incauta donzela que ali apresentou-se trajando um salto alto, sabe a dificuldade que é por ali caminhar. São pedras do tempo do Império, disformes  em tamanhos e formatos, passando longe de formar uma suave passarela para o seu  suave caminhar. Vc tem que andar ali atento, vendo muito bem por onde pisa. Caminhar pela bucólica Paraty, sem estar atento onde pisa, é dar chance para o azar e sair dali com uma raiva que Paraty não merece. Paraty tem aquele piso; se é por lá que vc pretende caminhar...fique atento!

Sigo tb concordando, em gênero, número e grau com Carlos Castañeda quando nos disse/ensinou que...

"Todos os caminhos são iguais. Todos eles levam ao mesmo lugar ou seja, a lugar nenhum. Mas um deles é feito e trilhado com o coração, e é este que vc deve seguir!"

Pois bem: este meu momento me pede exatamente isso - muita vigilância para ver onde ando pisando e onde pisarei em meu próximo passo, pois não quero correr o risco de sofrer uma entorse de tornozelo, fratura ou algo ainda pior. Como minha véspera de Natal ainda não chegou, até pq não sou perú, seguirei vigilante qto aos meus passos.

Vejo-me, neste momento, sem GPS, placas indicativas, quiosques de informação, dica de algum guia que esteja por ali levantando o seu troco ou coisas do gênero. Vejo pedras, trilhas e algo lá adiante, no horizonte, ainda um tanto distante de onde estou, que ainda não consigo definir muito bem o que seja. Até pq, convenhamos, tb já tenho meu olhozinho D operado, trabalhando com uma lente que não é aquela com a qual nasci. Daí.....vigilância constante!

(*Quero, junto com o Benê, ter dois olhos inteiros e que não deixem escapar o essencial. Tanto ele qto eu, acho, estamos a caminho disso)

Saber que chegaremos todos ao mesmo lugar - A LUGAR NENHUM - já não me desaponta ou me desanima tanto quanto em outros tempos, não tão remotos assim, mas que a responsabilidade dos meus passos dados seja cada mais mais reconhecida, na boa, sendo minha e só minha, já me traz um certo bem estar. Caso consiga, além da responsabilidade, colocar o máximo do meu coração neles, ainda melhor. 
Assim confirmarei que não interessa qual será o meu ponto de chegada e sim qual caminho trilhei para chegar até ali.

Como tb tenho  tentado não exagerar na minha (muitas vezes inútil) prolixidade...paro por aqui!

Saravá, "Bruxo Carlos Castañeda"


23 de mai. de 2014

Saravá!



Sossego, saravá!
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Este "senhor" estará sempre diretamente atrelado à minha vida enquanto eu por aqui estiver caminhando. Não só pelas inúmeras obras-primas que nos deixou, suas mensagens e ensinamentos de como viver a vida, os amores e os desamores (Drummond disse que Vinícius foi o único poeta que viveu como poeta) mas pq quis o destino, que a minha amada filhota


nascesse no mesmo dia dele (19 de outubro) e depois resolveu nos deixar, em pleno sossego, tomando seu banho de banheira (provavelmente com um copo de whisky ao lado e seu inseparável cigarrinho), no dia do meu aniversário (9 de julho)!

http://simbolofalicoeocacete.blogspot.com.br/2013/11/quem-sou-afinal.html
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Vinícius, saravá!

22 de mai. de 2014

O dono do blog trabalhando...


Só dois "casinhos" do dono do blog para que vocês possam conhecê-lo um pouquinho melhor!

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Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, "só se bate pra descarrega energia".
Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego.
- Te abanca, índio velho, que ta incluído no preço.
- Ai - diz o paciente.
- Toma um mate?
- Nã-não... - geme o paciente.
- Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa.
O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta:
- Agora, qual é o causo?
- É depressão, doutor.
O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro.
- Tô te ouvindo - diz.
- É uma coisa existencial, entende?
- Continua, no más.
- Começo a pensar, assim, na fìnitude humana em contraste com o infinito cósmico...
- Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil.
- E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia.
- Pos vamos dar um jeito nisso agorita - diz o analista de Bagé, com uma baforada.
- O senhor vai curar a minha angústia?
- Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca.
- Mudar o mundo?
- Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana.
- Mas... Isso é impossível!
- Ainda bem que tu reconhece, animal!
- Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável.
- Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice e da gorda.
- Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta...
- Escuta aqui, tchê. Tu te alimenta bem?
- Me alimento.
- Tem casa com galpão?
- Bem... Apartamento.
- Não é veado?
- Não.
- Tá com os carnê em dia?
- Estou.
- Então, ó bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito.
- O Freud não me diria isso.
- O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão?
- Não.
- Então te fecha. E olha os pés no meu pelego.
- Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior do que tudo.
Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta :
 - É pior que joelhaço?

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Contam que outra vez um casal pediu para consultar, juntos, o analista de Bagé. Ele, a princípio, não achou muito ortodoxo.

— Quem gosta de aglomeramento é mosca em bicheira... Mas acabou concordando.

— Se abanquem, se abanquem no más. Mas que parelha buenacha, tchê! . Qual é o causo?

— Bem — disse o home — é que nós tivemos um desentendimento...

— Mas tu também é um bagual. Tu não sabe que em mulher e cavalo novo não se mete a espora?

— Eu não meti a espora. Não é, meu bem? 

— Não fala comigo!

— Mas essa aí tá mais nervosa que gato em dia de faxina. 

— Ela tem um problema de carência afetiva...

— Eu não sou de muita frescura. Lá de onde eu venho, carência afetiva é falta de homem.

— Nós estamos justamente atravessando uma crise de relacionamento porque ela tem procurado experiências extraconjugais e...

— Epa. Opa. Quer dizer que a negra velha é que nem luva de maquinista? Tão folgada que qualquer um bota a mão? 

— Nós somos pessoas modernas. Ela está tentando encontrar o verdadeiro eu, entende?

— Ela tá procurando o verdadeiro tu nos outros?

— O verdadeiro eu, não. O verdadeiro eu dela.

— Mas isto tá ficando mais enrolado que lingüiça de venda. Te deita no pelego.

— Eu?

— Ela. Tu espera na salinha.



Comemorando a vida....


(Jards Macalé - Mambo da Cantareira)

...ou o momento da vida, ou ESTE momento da MINHA vida, ou este instante da minha vida...ou este segundo de vida, sei lá!!!!

Vou "aprender a nadar" senão....dá-lhe "joelhaço" por parte do Sr. de Bagé! Tá doido, tchê. O joelhaço dele dói, machuca, marca.

Já disse que quero sossego; só!

Deixo com vocês, outro "maldito" que adoro: Jards Macalé, autor de dezenas e dezenas de ótimas coisas mas....como nasceu em um país chamado Brasil é, mais do que maldito (ou, além de), desconhecido por pelo menos 90% de quem habita este pedacinho de chão, que a "filósofa" Dilma comanda.

Aprenda a nadar.....ou morra afogado, tchê!

Por ora, um mambo, prá alegrar minha quinta-feira!

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Só outro exemplo. E vc aí certo de que esta música era de autoria do Zeca Baleiro, cantando com a Gal Costa, né não?

Pois é! Errou feio!

Os brutos (e malditos) também amam...e choram...e sofrem...e se angustiam e............fazem arte!


                                 
DÊ PLAY



                                                              (Vapor Barato)

Volto outra hora.

21 de mai. de 2014

Mudando...



Desde que abri este blog, em novembro de 2013, apresentei-me por aqui com uma caricatura do Freud. 
Caricatura, mas de uma figura venerada, idolatrada, fazendo questão de ser sério, profundo, reconhecida, aplaudida e blá blá blá....

Cansei. Resolvi mudar! Resolvi radicalizar! É prá "mergulhar" para a parte submersa do nosso gigantesco iceberg? Então tá! Mergulharei...mas seguindo o mestre único e inigualável que Bagé nos presenteou! Neste momento da minha vida me identifico mto mais com a genial criação do Luís Fernando Veríssimo, com seu sutil e sempre inteligente humor!

De agora em diante, serei  "representado" pelo Analista de Bagé! Minha linha terapêutica será a dele: terapia do "joelhaço"! Quem é jovem demais p/ conhecê-lo, sugiro pesquisar sobre o dito cujo. Quem já dobrou o Cabo da Boa Esperança, como eu, saberá de quem estou falando! Quem não estiver nem aí em saber de quem se trata, tb tudo bem!

Sempre "tirei o meu chapéu" para o Freud, e continuo tirando: as sacadas dele seguem todas aí, mais vivas do que nunca. Vc pode alterá-la um tantinho aqui ou ali com uma pitada de Lacan, Reich, Jung ou sei lá mais quem, mas quem deu o pontapé inicial nesta loucura toda foi mesmo o Sig, que segue por mim, senão venerado, aplaudido de pé!

Mas agora, novos tempos, entra em campo o Analista de Bagé e sua terapia do joelhaço: ou cura de vez, ou vá procurar outro "terapeuta" que se encaixe melhor com o que vc quer ouvir de um analista.

Agora entra em campo, no lugar do pai da Psicanálise, o filho de Bagé, um freudiano "mais ortodoxo que pomada Minancora", como ele se auto-definia !

Para recebê-lo, pedi para que o Raul nos tocasse algo! Gostei da escolha do Raulzito pois perder medo(s) é uma conquista e tanto; e um belo (re)começo! Raul, que pegava na veia, sabe tb como utilizar a terapia do joelhaço, canceriano que era, assim como eu!


Portanto senhores, daqui prá frente, tocando o blog "ENTRE NÓS" ele, o criador da "joelhaçoterapia", embalado pelo (saudoso) Raul...sem medos!

20 de mai. de 2014

Um desejo



Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlaçemos as mãos)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado.
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.


(Ricardo Reis)


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Meu desejo: sossego! Só!


Alvaro de Campos - Antonio Abujamra...



NÃO: Não quero nada. 
Já disse que não quero nada. 
Não me venham com conclusões! 
A única conclusão é morrer. 
Não me tragam estéticas! 
Não me falem em moral! 
Tirem-me daqui a metafísica! 
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas 
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) — 
Das ciências, das artes, da civilização moderna! 
Que mal fiz eu aos deuses todos? 
Se têm a verdade, guardem-na! 
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. 
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. 
Com todo o direito a sê-lo, ouviram? 
Não me macem, por amor de Deus! 
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? 
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? 
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. 
Assim, como sou, tenham paciência! 
Vão para o diabo sem mim, 
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! 
Para que havemos de ir juntos? 
Não me peguem no braço! 
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. 
Já disse que sou sozinho! 
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia! 
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... 
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

12 de mai. de 2014

Traga a poesia para a sua vida...



                                  (Poema Em Linha Reta - Fernando Pessoa)

Acabei de dar uma, digamos, complementada em meu tópico "Anarquista" (link abaixo)


e agora deu-me vontade de fazer algo parecido, homenageando novamente o nosso livre-arbítrio: esta particularidade é tão especial e essencial às nossas vidas, que não damos a ela a devida atenção.  É através dela que sorrimos das imbecilidades e equívocos que cometemos no andar de nossas vidas...ou nos lamentamos e choramos copiosamente pq, sei lá, o nosso time de futebol perdeu um jogo importante. Livre-arbítrio: se temos "ferramentas" para tocar nossa caminhada, esta é uma que estará SEMPRE em nossas mãos; e, de um jeito ou outro, estaremos sempre, ininterruptamente, fazendo uso dela, mesmo que não percebamos que aquilo que acabamos vivendo foi resultado óbvio/lógico, daquilo que vc fez com seu livre-arbítrio, qdo "pedras apareceram no meio do caminho"!

Deixo aqui, mais uma vez, um outro poema do meu amado Fernando Pessoa: declamado pelo mestre Paulo Autran e depois....trazido, com muita inteligência, para a nossa vida real e vida vivida, em uma passagem de uma mera novela.

Viva em poesia e adoce, floreie, acaricie e agrade, sempre que possível, seu mágico poder de ser dono único do seu livre-arbítrio.

Tomando ou não os seus "gorós" (rs)




Segue a segundona.....


11 de mai. de 2014

In Memoriam - Nostalgia pura



DÊ PLAY



                                     (Disparada - Jair Rodrigues / 1966)

Deixo este post aqui por pura nostalgia, que foi o que me trouxe a morte do "sempre moleque" Jair Rodrigues: tinha só 14 aninhos mas acompanhei fervorosamente este e os outros Festivais da Record, vendo ali nascer gênios da MPB que até hoje me acompanham.

Aproveito ainda e posto tb algo que pouca gente sabe, retirado do post da jornalista Alessandra Alves sobre o que de fato aconteceu naquele..."empate" entre Disparada e A Banda.

Confesso que torci para "A Banda": para um pirralho de 14 anos ela era muito mais palatável, digerível e fácil de assimilar. Era quase que uma "brincadeira" do Chico, tal e qual, anos depois, Vinícius faria, junto com Toquinho, a série "Arca de Noé"! Mas, atentando-se melhor à música, melodia, letra, ARRANJO e a genial interpretação do JR dada à música do Vandré, não há como enxergar que "Disparada" é muito mais MÚSICA e não poderia mesmo deixar de sair como vencedora, mesmo que tenha sido através de um acerto de bastidores. Mérito tb do Chico, claro, que com seu discernimento e conhecimento musical, "exigiu" que o primeiro prêmio fosse dividido com Disparada.

O post fica mesmo como uma memória minha ao eterno risonho e fantástico cantor JR, junto com a carga da mais pura nostalgia que tudo isso/todo este tempo vivido me traz.

Tempos idos...mas nunca esquecidos!! Memórias agradáveis para serem guardadas para sempre!

Depois...crescemos; não sei se evoluímos, mas crescemos! Hoje, abro espaço para a nostalgia, recebendo-a, de braços abertos, em meu colo.

Assim deu-se a história do "empate":

Para quem não viveu ou já não lembra, um breve contexto, extraído do livro “A era dos festivais – Uma parábola”, do jornalista e crítico musical Zuza Homem de Mello. O festival realizado pela TV Record, em 1966, entrou para a história ao consagrar duas músicas no primeiro lugar: A Banda, de Chico Buarque, cantada por Nara Leão, e Disparada, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, defendida por Jair Rodrigues.

A disputa entre as duas músicas foi acirrada a ponto de dividir a platéia, a audiência e de virar tema de comentário em todo o canto da cidade de São Paulo. As eliminatórias do festival começaram em setembro de 1966. Disparada classificou-se na primeira eliminatória. A Banda, na segunda. No dia da grande final, realizada no Teatro Record, na rua da Consolação, cinemas e teatros chegaram a cancelar sessões de suas atrações, tamanho o alvoroço causado pelo festival.

O resultado anunciado pelo apresentador Randal Juliano sacramentou o empate entre as duas músicas no primeiro lugar. O que a maioria das pessoas nunca soube, até 2003, é que o empate não aconteceu de fato. Os jurados reunidos deram vitória para A Banda, mas uma seqüência de decisões mudou o rumo da história.

Primeiro, Chico Buarque deixou claro, nos bastidores, que não aceitaria o prêmio, porque considerava Disparada melhor que sua música. Ao saber disso, um dos diretores e herdeiros da Record, Paulinho Machado de Carvalho, foi até a sala dos jurados e falou sobre a decisão de Chico. Influenciou o grupo a optar pelo empate, ponderando que seria a única forma de não deixar metade da platéia, e da audiência, frustrada. Comunicou o acerto a Chico, que aceitou dividir o prêmio, mas os outros compositores e demais participantes foram informados de que teria havido empate entre os jurados – seis votos para cada música.

A verdadeira história só veio a público quando Zuza lançou seu livro. Além de revelar a real escolha dos jurados, Zuza conta os bastidores da votação, mostrando como a divisão de torcida pelas duas músicas chegou inclusive a contagiar o júri. Houve quem tivesse votado na música de Chico, mas que depois dizia preferir Disparada.



* Artigo original

http://alessandraalves.blogspot.com.br/2006/03/banda-x-disparada-o-desemp_114355503755801521.html


27 de abr. de 2014

Fernando Pessoa - Esta velha angústia




Esta velha angústia
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha.
Em lágrimas,
Em grandes imaginações
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.

Mal sei como conduzir-me na vida,
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...
Isto.

Um internado num manicômio é, ao menos, alguém
Eu sou um internado num manicômio, sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura.
Porque não são sonhos.

Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino?
Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.

Quem de quem fui?
Está maluco.
Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazida de África.
Era feíssimo. Era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.

Se eu pudesse crer num manipanso qualquer - Júpiter, Jeová, a Humanidade -
Qualquer serviria. Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?


Estala...coração de vidro pintado!



25 de abr. de 2014

Uma lição que nunca acaba




Viver! Quantos altos e baixos a vida nos reserva, meu Deus! Qtas alegrias e choros, encontros e desencontros. Planos feitos que viram pó, sonhos desejados que ficam mesmo só como sonhos, promessas de mudar e melhorar e amadurecer que ficam pelo meio do caminho...

Somos seres sozinhos e únicos, é verdade, mas se conseguirmos, por desejo, seguir na caminhada que a vida nos reserva, partilhando, não acho que seja querer o impossível, que esta possa vir a mostrar-se como uma feliz escolha. Desde que ela nasça do desejo e não da necessidade.

Mas aí, em tantos e tantos e tantos momentos onde tentamos ser dois, os acontecimentos na vida daqueles dois parecem que não se duplicam, simplesmente; parece que eles se multiplicam e aumentam à enésima potência. Aí, para que o partilhar desejado e escolhido vença, os dois precisam ter uma sapiência e um jogo de cintura que beira uma missão impossível.

Casais erram. Sempre. Casais seguirão errando, sempre. Com a obviedade do fato, entra a capacidade, ou não, de ambos digerirem e consertarem estes erros; e aqueles outros também. Os de ontem ou os do século passado. Erros não digeridos, não perdoam: mais dia menos dia eles virão à tona, cobrar o erro acontecido; e o que é pior, muitas vezes de uma forma agressiva, ofensiva e vingativa. Pronto: eis um novo erro criado.
Passo longe da beatice, para o meu bem ou para o meu mal, passo longe da beatice, mas lembro-me de uma passagem assistida, de um fato real (já citado aqui no blog em algum outro texto), quando um certo cidadão, para o espanto de todos, dirigiu a palavra a alguém que "não deveria ser perdoado em hipótese alguma" frente ao que havia feito, e o cidadão simplesmente deixou claro que aquele a quem ele deveria não perdoar, estava sim por ele perdoado, lembrando que Jesus, quando disse "perdoai o seu próximo", ele não catalogou ou rotulou até quanto, até onde, até o que feito pelo outro deveria ou não ser perdoado. Ele simplesmente nos deu este curto toque: perdoai o seu próximo, pois isto te engrandecerá ainda mais como pessoa.

Mas não, não conseguimos fazer esta "máxima" prevalecer em momentos de fúria, dor, luto, sofrimento ou choro. Não sabemos e não conseguimos perdoar! Mesmo nos tornando menores assim agindo, prevalece o não perdoar! A dor, a ferida e o sofrimento nos parece tão agigantado, que mesmo com nossos maiores esforços, não perdoamos.

Muitas vezes, para piorar o que já está péssimo, "necessitamos" ainda pagar olho por olho...
O desencontro e o fim que começou lá atrás, naquele erro primeiro, inicia uma destrambelhada e incontrolável descida morro abaixo, impossível de ser detida. Termina, quase sempre, com um afogando-se no mar do "castigo" recebido e o outro com uma vã, ilógica e absurda sensação, tão pobre, de vingança conquistada!

O Chico Buarque canta, em nome do Nelson Rodrigues, o "Te Perdoo por Te Traíres". O para-choque de caminhão nos lembra que "a vingança é um prato que se come frio". Rubem Alves tb nos lembra, neste texto dele que aqui postei 


que os casais que escolhem o tênis ao invés do frescobol, sairão ambos com um amargo gosto na boca, tenha ou não sido o "vencedor" daquele estúpido jogo de tênis que o casal teve a infelicidade de escolher para trocar em sua vida a dois!

Outro dia li uma citação de uma moçoila, artista global e recém-traída pelo "belo maridão", onde ela dizia: "Não vou posar de vítima nem acusar ninguém de vilão"! Tiro o meu chapéu para esta moça. Qtos de nós temos esta capacidade? Uma gigantesca minoria, sem dúvida. Pena. Grande pena que seja uma gigantesca minoria, mas assim é, ou assim somos!

Eu, que já me auto-intitulei de "um mosaico a ser montado" ou "eterno aprendiz" ou "um tolo completo, de tão pueril que sigo sendo", preciso neste momento buscar outras forças, maiores e mais sólidas forças, para ir um pouco além que seja do be-a-bá sobre o aprendizado de viver bem, em harmonia e, se partilhando, partilhar o melhor. Se trocar, trocar a clara alegria por estar acompanhado. Se errar ou captar algum erro "do lado de lá", use o momento como chance máxima e suprema para alavancá-los para crescer um cadinho mais que seja como pessoa! O erro consertado por dois é duplamente satisfatório. Une!

Aprender, no mínimo, não se lamentar tanto por enxergar-se incompetente em certas "matérias" da vida, mas juntar suas forças, ou seus cacos, para mais e mais tentar sair da ignorância e ver, com os dois olhos esbugalhados e até mareados, que se a escolha feita foi a de partilhar, que este partilhar quando colocado em um dos pratos da balança, tenha muito mais presença e significado real do que de tanta pobreza e infelicidade inerente ao ser humano, falível que é, ficou no outro prato.

Conseguirei? Prometo, a mim mesmo,  que tentarei ainda mais do que já tentei até hoje!

Não sou vítima e nem quero enxergar, ver ou apontar vilões. Nem um e nem outro existem de verdade. São meras distorções de mentes que enxergam ainda o mundo de modo distorcido. Sou eu, só eu, com meus desejos e anseios. Que eles sejam sinceros!


23 de abr. de 2014

Dia da Criação



                                          (Vinícius de Moraes)

É a vida se reciclando, sempre...

11 de abr. de 2014

Como conheci o "hómi"!!




Foi assim; básico! É uma viagem; babaca ou não, fica a critério de cada um. Quem tiver interesse e/ou saco, veja a entrevista em seu todo!

Filosofar ou não...eis a questão!

Até para filosofar, ou dar uma de filósofo, um mínimo de discernimento, para não dizer QI, temos que ter. Caso contrário ela nos leva a um rodamoinho caótico, infinito e sem conclusões, como nos mostram, muito brevemente, estes três vídeos aqui postados!

Quero ser "mundano", pão-pão, queijo-queijo. Sexo dos anjos não existe(m) como já sabemos.

Se minha bússula está, no momento, caótica e sem parar em nenhum rumo específico...aguarde. Que eu vá cuidar de minhas mundanices "lá de fora"! Se der tempo para tb brindar algo (um "oi" especial e inesperado que vc receber, por exemplo), ainda melhor!


Seguir buscando conclusões......fodeu! Troco por um blood-mary






* Dos 3 livros recentemente devorados por mim (inutilmente?), dois são de autoria do carinha aí do meio: Clóvis de Barros Filho. Mas sigo gostando dele e de seus dizeres. Só preciso deixar de ser tão (ou só?) jerico!


Ao blood..... 

10 de abr. de 2014

Estes seres irracionais...!!!



...e por aqui, seguimos brigando, uns com os outros, sempre inútil e tolamente!

Um dia haveremos de aprender com "eles"!

9 de abr. de 2014

Outono



Época de reciclagem, dizem. Coincidentemente ou não, tenho sonhado muito estes últimos tempos. Mas daqueles sonhos que temos enquanto estamos entregues à Morfeu. Sonhos variados e assuntos/temas idem. O que tem a ver uma coisa com outra? Bem, se os sonhos são diálogos que o nosso inconsciente tenta travar conosco, muita coisa tenho "ouvido" dele: algumas positivas e otimistas e outras nem tanto. 

O "engraçado" é que, otimista ou pessimista, não venho acordando bem depois de tê-los sonhado: se eram otimistas, chateio-me em acordar para que tudo aquilo foi só um sonho. Quando são pessimistas, chateio-me pelo pessimismo em si e pelo fato de tê-lo "vivenciado", enquanto estive com Morfeu.

Pior que isso, é que meus sonhos andam ocorrendo só nestes momentos. Acordado, consciente, de olhos abertos, não venho conseguindo, digamos, criá-los. No máximo, planos. Novos ou velhos, grandiloquentes ou simplórios...somente planos. Planos que nascem como uma bolinha de sabão, voam por alguns poucos metros e...desaparecem. Meus planos não se enraizam, não se fixam e não seguem adiante. Parece que este outono tem sido (e continuará  sendo?) um momento de reciclagem geral; quiçá preparando o "terreno" para a chegada do inverno e depois aí então florescer, junto com a primavera! Planos passageiros e frágeis; planos onde me falta, acho eu, maior convicção de minha parte para que virem fatos reais!

Enfim, um momento/uma fase onde o tempo pede-me paciência. Logo eu, sexy...xagenário, lendo sobre a "fugida" recente do José Wilker e depois de devorar dois livros sobre filosofia onde os "sábios" nos ensinam (?) que a esperança deve ser extirpada, sem dó nem piedade do nosso pensar, preciso postar-me pacientemente no aguardo de uma nova e melhor "estação".

No último livro devorado, por duas ou três vezes o autor cita uma frase que ficou em minha mente: "a insistência do existir"!! Ao mesmo tempo ouço, aqui ou ali, que sou alguém que não teria nenhum motivo para reclamar da vida. Viciei-me em reclamar, quem sabe!?

Insistir em existir, deve ser por um propósito, por uma meta, por um desejo; ou seja, por um sonho! Sonho acordado, real, mesmo que sonho. Sonho que faça eu neste momento virar para a direita, depois de duas quadras para a esquerda e assim ir fazendo um caminho...DESEJADO!

Existir só para desafiar a morte é inútil, além de burra! Existir só para esperar, idem. Mas os nossos passos, apesar de estar cansado de ler/ouvir sobre o nosso lvre-arbítrio, acho que tb é "dependente" de algo mais, que não sei definir, dar nome, apontar ou decifrar.

Neste momento de reciclagem, sobram-me quase que exclusivamente as obrigações; aquelas mundanas obrigações que todos temos no nosso dia a dia. Ainda bem que ainda as tenho, diria eu.
Estou meio que sem bússula: impossível apontar para norte, sul, leste ou oeste ou, ainda pior, querer "culpar" A, B ou C por assim estar. O outono é meu; este "outono" é meu!


Por ora...insistir!


Como deveria ter dito René Descartes..."Penso, logo insisto"!

* Acho que deveria entrar para o Facebook: lá todos são felizes e de bem com a vida (rs)




22 de mar. de 2014

A gente se acostuma...



                                       Eu sei, mas não devia


Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, a gente logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

(A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.)


A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. 

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem (a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem.) E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

(A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.)


A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável.

(À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.)

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.  Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, (para esquivar-se de faca e baioneta), para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, e se perde de si mesma.




     (Marina Colasanti)
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Será este o caminho? Posso até acostumar-me a ele, mas, nele, sigo sentindo-me um "quê" incomodado!

Mas...a gente se acostuma com isto tb (rs)