DOUTOR, Dr. ou dotô? Uma tragédia grega

Um dia, logo após a morte da minha mãe, levando um lero com meu irmão, contei a ele um segredo meu. Íntimo. Segredo que só se conta p/ irmão. E mesmo assim, só olho no olho, como diria a mana. Disse que tinha descoberto, na terapia que fazia, já em meus tempos de SS, que eu havia feito Medicina só para sacanear o meu pai (ele era médico). Queria sacaneá-lo. Precisava sacaneá-lo. Derrotá-lo, enfim Se ele era um médico “assim assim”, eu seria “O” médico. Um Christiaan Barnard dos trópicos quem sabe. Já me via, em um tempo nem tão longo, indo até Estocolmo, buscar meu  Prêmio Nobel de Medicina.

Coisas do tipo Édipo, Jocasta, Laio e outras figurinhas, saca? Digamos, uma verdadeira tragédia grega!

Então, entrei na Unicamp. Pode ir lá conferir: turma de 1977. X Turma da Medicina Unicamp. Tenho diploma, CRM e o escambau! Pode acreditar, O cartório acabou de reconhecer firma (rs). Não é só a minha palavra. É a palavra do Cartório.

Bem, aí o mano vem e diz que tb vai me contar um segredo dele. Contou-me que ele NÃO fez Medicina, tb para sacanear o pai. Resolveu fazer Engenharia de Produção, pela Politécnica/SP; fez Engenharia para não dar o gostinho ao pai de seguir, tb ele, a Ciência de Esculápio. Queria, e necessitava, sacanear o pai!

Dois enormes tolinhos. Ambos, cada um ao seu modo, escolheram ter, como profissão, algo que cada um achava que seria a grande chance de, enfim, vingar-se edipianamente do pai.

Tolinhos!

Como seria possível que o mano virasse “O” Engenheiro e eu, “O” Médico? Começamos errado. Começamos atrás de uma tragédia grega.

Não deu outra: o mano virou filósofo e eu, ainda nem sei o que virei. Estou ainda virando. Me virando!

Quem sabe virando...Paulo. Primeiro crescer e depois escolher o que farei da vida!

Certa ocasião, por volta de 1975, ainda morando na Emílio Ribas e em um sambão acadêmico do Adolfo Lutz (dois médicos com méééé maiúsculo), disse/profetizei em uma roda de amigos:

"-Sabe, gente: acho que não nasci p/ ser médico e nem prá casar e, daqui a pouco, serei um médico casado"! (casaria em 79).

Mas o som do sambão estava tão alto que acho que nem eu mesmo escutei o que falei. Depois a Roda-Viva se incumbiu de levar tudo embora, de roldão!

Formatura chegando cada vez mais perto, tinha que escolher uma especialidade. Teria que fazer Residência, para não ser “só” médico.

Aí, outra pisada de bola.

“Alguém”, dentro de mim, “alguém que dizia  só querer o melhor p/ mim (um dos meus inúmeros paulos, com certeza), aproximou-se e cochichou ao meu ouvido:

“Paulinho, minha criança, vc sempre me disse que sua pedra no sapato passa pelos seus relacionamentos, não disse? Vc nunca me deixou esquecer que as suas dores, todas, acontecem dentro dos seus relacionamentos, não foi? Então, criança, faça Cardiologia. Fazendo Cardiologia, vc saberá TUDO sobre o coração e, sabendo tudo sobre o coração...não sofrerá as dores do coração. Captou? Entendeu? É básico, como vc ainda aprenderá a falar a torto e direito” E deu um sorriso dúbio. Enigmático

Levei ao pé da letra. Virei Cardiologista, com Residência feita tb na Unicamp. Tenho todos os documentos, se quiser vê-los!

As dores do coração seguiram me derrubando; ano após ano, me derrubando.

Porém, outro “alguém”, outro paulo, cochichou-me algo tão baixo, mas tão baixo, que nem ouvi direito. Sem ter ouvido direito, fiquei meio perdido, sem saber exatamente que toque ele queria me dar. Na verdade, pensando melhor, acho que ele me disse algo do tipo "Fazer Medicina DÁ Trabalho" e, por causa do alto som do sambão acadêmico, eu tenha entendido para fazer Medicina DO Trabalho. Sei lá! Só sei que fui então fazer, paralelamente à minha Cardiologia (e sem saber muito bem pq), Medicina do Trabalho; algo que pouca gente conhecia ou fazia lá pelo final dos anos 70. Sei lá pq, mas tb acabei fazendo Medicina do Trabalho. Tb tenho o diploma p/ confirmar!

Segui, até +/- 2008, sendo Cardiologista.

Hoje, sou Médico-perito.

Hj só faço Medicina do Trabalho. Hj sou perito; ou “perito”.

Fazer Medicina dá Trabalho. Pode ser uma tragédia grega.

O Pinotti colocou o anel de Dr. em meu dedo. Pode conferir na foto, se quiser. Só não tenho firma reconhecida, ok?
Colocou e tirou. Ficou 1 segundo no meu dedo. Era o mesmo p/ todos. Era só simbólico. Fazer Medicina p/ mim foi simbolismo puro. Quase uma tragédia grega! Eu estava atrás do Laio.

Tolinho.

Muito tempo depois, já aqui por SS, dei “pinote” na Cardiologia.

Hoje, estou aprendendo a cuidar do meu coração, cardiologista que sou. Meu segmento ST ainda não supra-desnivelou. Nem tenho as ondas T invertidas. Angina, só nas amígdalas! Meu nódulo sinusal está afiado. Parando um pouquinho no nodo AV, para um breve e merecido descanso, já que ninguém é de ferro (nem meu coraçãozinho) e seguindo em frente. Meu PR tem a duração normal. Nunca passou de 0,20 segundo. Fica na média. Segue comandando o ritmo e mandando bem. Sem bloqueios também; nem hemi. Nem esquerdo e nem direito. Passo longe de HBAE, BIRD ou BRE. Eles são potencialmente perigosos. Podem terminar em uma síncope. Só sístoles (e depois um relaxamento, claro), sem extras. Segue batendo, firme, mas não me vejo mais apanhando! Espero que siga batendo cada vez mais firme! Nem Wolff, nem Parkinson e nem White. Muito menos os três juntos, na assustadora Síndrome de WPW. Teria que fazer ablação, se fosse o caso. Cirúrgica! A única pré-excitação que posso ter é uma ejaculação precoce aqui ou ali. Rara, por sinal. Sem onda delta. QRS normal. Meus complexos nunca foram de baixa amplitude, o que poderia denotar que algo me sufocava e que tal sufoco era causado por um tamponamento. Também nunca foram exagerados a ponto de caracterizar uma "sobrecarga". Complexos normais. Assim como a P e o T, como já disse. Nada de onda P em colher; afinal, não tenho SAE! Nem rr´ em V1 eu tenho. S1Q3, nem pensar. Poderia ser um infarto pulmonar, tá louco? Edema agudo p/ precisar de uma sangria vermelha ou branca? Never! ICC, quem sabe? Necas de pitibiribas; congestão por aqui, só mesmo a nasal e só quando estou resfriado; ou após um tirinho. Nem hipertrófico ele está; muito menos aumentado. Sem sopros, estenoses ou insuficiências. Só um sopro de esperança que ainda carrego e algumas insuficiências vulgares (como todos nós), mas não valvares. Sem stent, sem ponte, sem nada. Minhas safenas continuam nas pernas. As mamárias tb, no mesmo lugar desde que nasci. Nunca tive atrito pericárdico (atrito, só mesmo os da alma). Pode me escutar, se quiser: meus sons de Korotkoff estão normais! Ritmados. Mais que a bateria da Padre Miguel. Mas sem paradinha! Olhando p/ as minhas carótidas, não verá ali nenhuma "dança das artérias". Nunca soube dançar. Nenhum sinal de  Oliver-Cardarelli se xeretar minha fúrcula esternal. Cor pulmonale então? Dedo em baqueta de tambor??? Stoke-Adams, quem sabe? Ou Kussmaul ? Não, nadinha de nada. Nem Prolapso eu tenho; nem de mitral ou de qquer tricúspide, aorta ou pulmonar. Só a da minha hérnia de disco, em L4-L5. Dessa eu não consegui escapar. Nem ectasia de botão aórtico. Nunca bigeminei ou trigeminei. Muito menos fibrilei. Nem no átrio, nem na sala. Digo, ventrículo. Fibrilação, só de frio; às vezes. Nadinha de nada em minha bombinha propulsora. Não quero ter um grande coração. Iria precisar tomar amiodarona; ou propranolol, sei lá. Ou dinitrato de isossorbida! Este é ainda pior; impede a gente de tomar o citrato de sildenafil (rs).  É tudo tão patognomônico, não é?

Este é, anda sendo, e prefiro que siga sendo, meu genuíno coração. Muito melhor do que o do Genoino, com certeza. Não vou p/ Papuda, nem prá dormir! Nunca roubei ninguém! Só a mim mesmo, em outros tempos.

Quero tê-lo no tamanho certo.

Estou aprendendo a cuidar bem dele.

Estou tentando. Virei perito em tentar. 

Dá Trabalho

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