Trecho de
um texto intitulado "Ata De Sabadoyle", escrito por Pedro Nava,
quando do aniversário de 80 anos do Drummond
"...E
chegamos aqui a essa preparação que vínhamos esboçando desde o princípio - a
SOLIDÃO. Se a proteção do homem é aquela sua limitação biológica de que já
falamos - pele e mucosas que nos separam do ambiente dão-nos também uma forma e
um limite. E é este último que nos torna imiscíveis, nos prende e encarcera
naquela forma. Nossa forma é solidão. Pela lei da natureza somos seres
, e estes, desde os aparentemente simples como os constituídos de uma única
célula até aos primatas que somos, nós os homens, nossos primos os macacos,
nossos aparentados os morcegos feitos de milhões de células - somos seres sós.
A solidão é nossa essência, nosso carater, nossa condenação, nosso destino,
nossa grandeza. Mal paridos, a interrupção circulatória do cordão umbelical a
dente pelos animais inferiores, a golpe de sábia tesoura pelo ser humano - nos
exila para todo o sempre. Na infância, na mocidade, pela amizade falível e pelo
amor passageiro - temos a ilusão de que estamos acompanhados, quando apenas
somos gregários para mais seguramente exercermos o egoísmo, a tirania, a
opressão ou, passando ao pólo oposto e virando de malho em bigorna, agüentamos dos outros aqueles
exercícios em nossa pele. Tudo isto é serviço prestado ao homem para
mostrar-lhe o que é mundo e a ilusão da mundanidade e do mundanismo. Não há
companhias. Há solidões que se acompanham, que se toleram, que se repelem. Tudo
na progressão moral é aprendizado de solidão e só ela é o verdadeiro destino
para que o homem tem de se preparar para encontrá-la na velhice com o mesmo afã
- igual ao seu ímpeto de moço à hora dos esponsais. Só na solidão se geraram as
grandes coisas - a Divina Comédia e os Lusíadas; Guerra
e Paz e a Educação Sentimental; as Quatro Operações,
as Equações e os Teoremas da Geometria; a Teoria
Celular e a Teoria Microbiana; a Lei da Gravidade
e a da Gravitação Universal; A Primavera e a Gioconda;
a Sonata Patética e os Quartetos de Mozart; a Vênus
de Milo e o Aurige de Delfos. Ninguém fez isto de
sociedade, de combinação, de trato mundano - senão e só dentro das ameias da sua
solidão.
Repitamos: a solidão é nosso destino. Precisamos nos preparar
maduramente para que ela , na velhice, nos seja - não inimiga, mas a amiga e o
bálsamo, não o castigo , mas a exaltação e a liberdade. A solidão é a reserva
para cada um do seu tempo, na integralidade relativa que é a do ser vivo. O
nosso poeta Drummond foi e é senhor de escolher os seus caminhos. Quer o do seu
tempo, quer o da sua solidão. Respeitemos este desejo do poeta. É com esta
exortação que termino esta ata. A ele todo o mais tempo que lhe destine seu
recado genético, que ele continue por todo o que lhe restar - a povoar sua
solidão e a dos outros com sua companheira e a de todos nós que é a poesia."
Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 1982
(Pedro
Nava)
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