26 de nov. de 2013

Solidão



Solidão


Não que eu seja nostálgico; ou “seje”, como dizem tantos. Já disse que não sou. Nem que não tenha opinião própria. Até tenho, mas não sei exatamente qual ela é.

Então, p/ dizer alguma coisinha sobre essa tar SOLIDÃO, pedirei ajuda a outros 2 universitários: Tom Zé e Pedro Nava, colega meu na arte de Esculápio.

Então tá: enquanto o bruxo canta, o dotô escreve!

Cante aí, bruxo. Diga lá, Pedrinho*

  • A Emília, minha outra terapeuta, levaria este Pedrinho e o Paulinho que com ela esteve por um tempo, com certeza até algum Sítio do Pica-Pau Amarelo, para lá brincar.  Amo esta Emília. Ela é mesmo uma bonequinha. Mas não de pano. Inteira de carne e osso. Osso duro de roer, se nosso tolo desejo for enganá-la naquilo que faz com tanta competência, e tão doce qto alguém de carne pode ser. Doce Emília que tb mostrou-me o qto é importante levar uma vida mais lúdica e menos carrancuda e pesada.
  • Diria até mais: aqueles que "só lidam" com a solidão a vida inteira, que "só lidam" com a injusta e pejorativa solidão, como sendo sinônimo de dor, abandono e blá blá blá, não poderão mesmo, nunca, sair da sua dolorosa solidão. Só lidam com a dor e esquecem a tb poética e doce solidão. 
  • O texto é longo, mas vale cada centímetro percorrido por lá. A decisão é sua.
  • Aqui verão dois carinhas: O Tom Zé que vê a solidão como algo q tb pode ser lírico e o PN, que pode vê-la como poética, mas um tanto qto pesada. O Tom Zé segue bruxo e "brincalhão". Já o PN achou que poderia, sozinho, decidir a hora da sua despedida. 
  • Quando ele diz, por exemplo, "Há solidões que se acompanham, que se toleram, que se repelem. " , por mais que eu saiba que a interpretação do que ele lá escreveu seja minha, TENTO captar o que exatamente ele quis me dizer: toleram como sinônimo de aturar ou como sinônimo de dar suporte e apoio mútuo? Eu decidir ler deste ou daquela outra maneira, compete a mim, evidente. A escolha que ele PN fez para o final de sua vida, foi, tb evidente,  a escolha dele. O que fazemos é a escolha de cada um de nós. Sempre é escolha nossa; e sempre será! 
Mas, chega de prolegômenos.

Vou trabalhar  e deixar vocês com mais esta dupla do barulho.

Inté!!!



Ata de Sabadoyle




          Quando Plínio Doyle me pediu para fazer a ata de hoje, senti-me realmente desconfortável por ter, de alguma maneira, de tomar parte no que não deixa de ser uma comemoração de aniversário de Carlos Drummond de Andrade. Esse nosso caro amigo estará completando o seu octogésimo aniversário amanhã, 31 de Outubro de 1982. E eu estava na plena convicção de que o Poeta não queria festejar de nenhuma maneira a data que apesar de só sua - não deixa de pertencer um pouco a cada um dos seus contemporâneos. Além dessa convicção eu estava persuadido de que a razão residia com o aniversariante e que a ele competia o direito de decidir a favor de sua própria vontade mesmo contrariando os desígnios de seus amigos. A opção é sempre sua - dizem aos clientes os seguazes de Freud. Mas estes, encarnados em Plínio Doyle, resolveram se contrapor à intenção do poeta e eu tive de entrar neste barco para fazer a vontade de nosso anfitrião de todos os sábados e o batonnier de todos os que resolveram dedicar-lhe seu sétimo dia da semana.


          O jeito modesto, antivaidoso e contra toma-lugares que é uma das características de Carlos Drummond de Andrade é comentado com má vontade pelos que não entendem aquelas qualidades senão como orgulho e soberba. Estas palavras malevolentes e inverdadeiras, já tenho ouvido, mas sempre protestando contra elas. É injusto considerar também o nosso Poeta como esquisitão, misantropo e ensimesmado. Nada disto. Ele é apenas um homem que sabe defender duas coisas que são só dele e que ninguém pode participar e dividir com ele. O seu tempo. O seu direito à solidão. Estas duas coisas são funcionalmente inerentes à pessoa porque ela já de si - indivíduo - é biologicamente separada do seu meio ambiente por sua pele, suas mucosas e até protegida contra ele - externamente pelo seus pêlos e suas possibilidades de fuga; internamente, pela imunidade e todo o mecanismo de defesa exercido pelo nosso metabolismo, isto é, nosso meio interno e essência de seres vivos. Só um louco ou os mundanos têm seus tempos destituídos de muros. Ou os que nada fazem. Já o tempo do homem de letras, do artista, do cientista é deles, e é durante seus minutos que lavram e plantam o que vão fazer brotar de fantasia, prosa, poesia, murais coloridos, quadros, tetos sistinos, estátuas que captaram o melhor da geometria, as leis da ciência, da experimentação e da observação que a Natureza esconde de quase todos e só entrega aos seus preferidos - os inventores pacientes. O tempo disponibilizado de Drummond é sua prosa servida na mais rara forma três vezes por semana nas crônicas de jornal que fazem dele e conforme a oportunidade - o moralista, o filósofo, o historiador, o contista, o humorista, o sarcasta, o romancista, o defensor das Sete Quedas. O tempo de Drummond é para  a elaboração subconsciente, depois onírica e finalmente cristalizada na forma de verso - desta coisa em que ele é o melhor da nossa língua - a POESIA. Quem quiser dispor do seu tempo, faça-o, mas pelas suas colunas trissemanais, pelos seus livros onde ele se entremostra ou se mostra todo. Sua poesia pode assim vir a ser a entrevista que ele nega, a intimidade de que ele se foge, o abraço ante o que sua timidez leva a que ele se encolha , a confidência que seu pudor não deixa escapar na conversa com qualquer que queira força-la, a confissão completa de tudo que todos queremos apenas deixar entrever como sombra do fantasma de um símbolo - mas que não escapará à argúcia do psicanalista que se debruçar sobre seu verso então devassado. Esta aí a ração de carne às feras... Para realizar este tempo-poesia , tempo-criação, ele precisa só de uma coisa: ter seu o que é só seu - esse seu TEMPO. Então respeitemos seu tempo Essa é a primeira lei a que se devem dispor seus amigos. Lembrem-se do sábio e recluso Michel de Montaigne:


                                         Vous et un compagnon êtes assez suffisant théatre I’un à L’autre ou vous à vous même.


Das duas opções, a melhor é a segunda, ou seja, o espetáculo dado por Vous à vous mêmes. Conversar sozinho consigo mesmo para poder continuar sempre a seguir a sabedoria do amigo de La Boétie:


         Retirez vous en vous, mais preparez vous premièrementde vous y recevnir


           E chegamos aqui a essa preparação que vínhamos esboçando desde o princípio - a SOLIDÃO. Se a proteção do homem é aquela sua limitação biológica de que já falamos - pele e mucosas que nos separam do ambiente dão-nos também uma forma e um limite. E é este último que nos torna imiscíveis, nos prende e encarcera naquela forma. Nossa forma é solidão. Pela lei da natureza somos seres , e estes, desde os aparentemente simples como os constituídos de uma única célula até aos primatas que somos, nós os homens, nossos primos os macacos, nossos aparentados os morcegos feitos de milhões de células - somos seres sós. A solidão é nossa essência, nosso carater, nossa condenação, nosso destino, nossa grandeza. Mal paridos, a interrupção circulatória do cordão umbelical a dente pelos animais inferiores, a golpe de sábia tesoura pelo ser humano - nos exila para todo o sempre. Na infância, na mocidade, pela amizade falível e pelo amor passageiro - temos a ilusão de que estamos acompanhados, quando apenas somos gregários para mais seguramente exercermos o egoísmo, a tirania, a opressão ou, passando ao pólo oposto e virando de malho  em bigorna, agüentamos dos outros aqueles exercícios em nossa pele. Tudo isto é serviço prestado ao homem para mostrar-lhe o que é mundo e a ilusão da mundanidade e do mundanismo. Não há companhias. Há solidões que se acompanham, que se toleram, que se repelem. Tudo na progressão moral é aprendizado de solidão e só ela é o verdadeiro destino para que o homem tem de se preparar para encontrá-la na velhice com o mesmo afã - igual ao seu ímpeto de moço à hora dos esponsais. Só na solidão se geraram as grandes coisas - a Divina Comédia e os Lusíadas; Guerra e Paz e a Educação Sentimental; as Quatro Operações, as Equações e os Teoremas da Geometria; a Teoria Celular e a Teoria Microbiana; a Lei da Gravidade e a da Gravitação Universal; A Primavera e a Gioconda; a Sonata Patética e os Quartetos de Mozart; a Vênus de Milo e o Aurige de Delfos. Ninguém fez isto de sociedade, de combinação, de trato mundano - senão e só dentro das ameias da sua solidão.

 
          Repitamos: a solidão é nosso destino. Precisamos nos preparar maduramente para que ela , na velhice, nos seja - não inimiga, mas a amiga e o bálsamo, não o castigo , mas a exaltação e a liberdade. A solidão é a reserva para cada um do seu tempo, na integralidade relativa que é a do ser vivo. O nosso poeta Drummond foi e é senhor de escolher os seus caminhos. Quer o do seu tempo, quer o da sua solidão. Respeitemos este desejo do poeta. É com esta exortação que termino esta ata. A ele todo o mais tempo que lhe destine seu recado genético, que ele continue por todo o que lhe restar - a povoar sua solidão e a dos outros com sua companheira e a de todos nós que é a poesia.


Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 1982

                                                                                      (Pedro Nava)

Nenhum comentário: